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sábado, 24 de outubro de 2009
RAUL DE LEONI - 1895 - 1923
Raul de Leoni Ramos, nasceu a 30 de outubro de 1895, em Petrópolis, então capital do Rio de Janeiro.
Era filho do jurista baiano Carolino de Leoni Ramos, deputado estadual, e de D.Augusta Villaboim de Leoni Ramos. Tinha dois irmãos mais velhos, Pedro e Maria Augusta e sua infância foi no ambiente seguro e provinciano da elite política fluminense, que desde a Revolta da Armada, em 1891, refugiara-se nos bons ares da cidade imperial, na tranquila Serra dos Órgãos.
Sua casa era frequentada por alguns dos maiores líderes do Estado, sobretudo pelos mais jovens como Nilo Peçanha e Alberto Torres.
A sua poesia embora contenha formas antigas e clássicas, é caracterizada por um imperecível espírito de modernidade, o que lhe assegura compreensão ilimitada e aperiódica, e o introduz na seleta plêiade dos poetas imortais.
Para melhor entendimento sobre a poesia de Raul de Leôni é preciso voltar ao século passado, precisamente em 1922, quando publicou o seu livro clássico "Luz Mediterrânea", onde está a essência da sua poesia, (grande parte em sonetos decassílabos) no meio da "explosão" do modernismo no Brasil.
Argila
De que são feitas as criaturas raras;
Tens legendas pagãs nas carnes claras
E eu tenho a alma dos faunos na pupila...
Às belezas heróicas te comparas
E em mim a luz olímpica cintila,
Gritam em nós todas as nobres taras
Daquela Grécia esplêndida e tranquila...
É tanta a glória que nos encaminha
Em nosso amor de seleção, profundo,
Que (ouço ao longe o oráculo de Elêusis)
Se um dia eu fosse teu e fosses minha,
O nosso amor conceberia um mundo
E do teu ventre nasceriam deuses...
Raul de Leoni
(Segundo Agrippino Grieco este soneto "todo brasileiro deveria saber de cor".)
Seu pai, Dr.Leoni Ramos era ligado ao grupo de políticos mais dinâmicos, na maioria bacharéis em Direito, de mentalidade cosmopolita e liberal, que pretendiam tirar o Estado da letargia, mas não deixavam de estar ligados a poderosas facções oligárquicas em disputa pelo poder.
Em 1898 o Dr. Leoni Ramos deixa a Assembleia Legislativa para assumir o cargo de chefe de polícia do Estado do Rio
Unidade
Deitando os olhos sobre a perspectiva
Das cousas, surpreendo em cada qual
Uma simples imagem fugitiva
Da infinita harmonia universal
Uma revelação vaga e parcial
De tudo existe em cada coisa viva:
Na corrente do Bem ou na do Mal
Tudo tem uma vida evocativa.
Nada é inútil; dos homens aos insetos
Vão-se estendendo todos os aspectos
Que a idéia da existência pode ter;
Em todos esses seres incompletos
A completa noção de um mesmo ser...
Raul de Leoni
Em 1906 o Dr Leoni Ramos torna-se prefeito de Niterói e a família passou a morar num doa aristocráticos casarões da Praia de Icaraí - 185 e essa mudança permitiu que Raul de Leoni entrasse em contato com um ritmo de vida mais agitado, numa cidade maior e mais aberta.
E como nao poderia deixar de ser, foi logo matriculado no Colégio Abílio quee ducava os filhos da elite.
Para a Vertigem
Alma em teu delirante desalinho,
Crês que te moves espontaneamente,
Quando és na Vida um simples rodamoinho,
Formado dos encontros da torrente!
Moves-te porque ficas no caminho
Por onde as cousas passam, diariamente:
Não é o Moinho que anda, é a água corrente
Que faz, passando, circular o Moinho...
Por isso, deves sempre conservar-te
Nas confluências do Mundo errante e vário.
Entre forças que vem de toda parte.
A espiral, cujo giro imaginário
É apenas a Ilusão do Movimento!...
Raul de Leoni
Família Leoni Ramos
Em 910, Raul de Leoni ingressa no Colégio São Vicente de Paulo, em Petrópolis, como aluno interno, estabelecimento de ensino mais aristocrático do país, que funcionava no antigo palacio imperial e era dirigido pelos padre premonstratenses, onde completou o secundário e prestou seu tributo ao catolicismo da mãe, fazendo sua primeira comunhão.
Com a posse do marechal Hermes da Fonseca na Presidência, apoiado por Nilo Peçanha, o Dr. Leoni Ramos é nomeado para o Supremo Tribunal Federal
Decadência
Afinal, é o costume de viver
Que nos faz ir vivendo para a frente.
Nenhuma outra intenção, mas, simplesmente
O hábito melancólico de ser...
Vai-se vivendo... é o vício de viver...
E se esse vício dá qualquer prazer à gente,
Como todo prazer vicioso é triste e doente,
Porque o Vício é a doença do Prazer...
Vai-se vivendo... vive-se demais,
E um dia chega em que tudo que somos
É apenas a saudade do que fomos...
Que somos sombras, que já não somos mais nada
Do que os sobreviventes de nós mesmos!...
Raul de Leoni
De um fantasma
Na minha vida fluida de fantasma
Sou tão leve que quase nem me sinto.
Nem há nada mais leve nem tão leve.
Sou mais leve do que a euforia de um anjo,
Mais leve do que a sombra de uma sombra
Refletida no espelho da Ilusão.
Nenhuma brutal lei do Universo sensível
Atua e pesa e nem de longe influi
Sobre o meu ser vago, difuso, esquivo
E no éter sereníssimo flutuo
Com a doce sutileza imponderável
De uma essência ideal que se volatiza...
Passo através das cousas mais sensíveis
E as cousas que atravesso nem se sentem,
Porque na minha plástica sutil
Tenho a delicadeza transcendente
Da luz, que flui través os corpos transparentes.
Sou quase imaterial como uma idéia...
Tantos e variadíssimos estados
Eu sou o estado-alma, quer dizer
O último estado rarefeito, o estado ideal:
Alma, o estado divino da matéria!...
Raul de Leoni
Cristianismo
Sonho um cristianismo singular
Cheio de amor divino e de prazer humano;
O Horto de Mágoas sob um céu virgiliano,
A beatitude com mais luz e com mais ar...
Um pequeno mosteiro em meio de um pomar,
Entre loureiros-rosa e vinhas de todo o ano.
Num misticismo lírico, a sonhar
Na orla florida e azul de um lago italiano...
Um cristianismo sem renúncia e sem martírios,
Sem a pureza melancólica dos lírios.
Temperado na graça natural...
Onde a Tristeza fosse um pecado venial,
Onde a Virtude não precisasse ser triste...
Raul de Leoni
Ingratidão
E em meu velho quintal, ao sol-nascente,
Plantei, com a minha mão ingênua e mansa,
Uma linda amendoeira adolescente.
Era a mais rútila e íntima esperança...
Cresceu... cresceu... e aos poucos, suavemente,
Pendeu os ramos sobre um muro em frente
E foi frutificar na vizinhança...
Daí por diante, pela vida inteira,
Todas as grandes árvores que em minhas
Terras, num sonho esplêndido semeio,
Como aquela magnífica amendoeira,
E florescem nas chácaras vizinhas
E vão dar frutos no pomar alheio...
Raul de Leoni
Faz amisades com futuros modernistas no ano seguinte, como: Ronald de Cravalho, Di Cavalcanti e Manuel Bandeira, além de intelectuais ligados ao grupo como Rodrigo melo Franco d Andrade e Américo Facó
Artista
Tens que buscar nas coisas inconscientes
Um sentido harmonioso, o alto prazer
Que se esconde entre as formas aparentes.
Sempre o achas, mas ao tê-lo em teu poder
Nem no pões na tua alma, nem no sentes
Na tua vida, e o levas, sem saber,
Ao sonho de outras almas diferentes...
Vives humilde e inda ao morrer ignoras
O Ideal que achaste... (Ingratidão das musas!)
Mas não faz mal, meu bômbix inocente:
Fia na primavera, entre as amoras.
A tua seda de ouro, que nem usas
Mas que faz tanto bem a tanta gente...
Raul de Leoni
Em 1918 ingressa na carreira diplomática pelas mãos de Nilo Peçanha, Ministro das Relações Exteriores do Brasil desde o ano anterior e em 27 de fevereriro é nomeado para a legação brasileira em Cuba. Em maio, embarca rumo a Havana, mas desiste ao fazer escala em Salvador, regressandoi então ao Rio, semanas depois.
No dia 26 de outubro é nomeado para a Embaixada do Brasil em Montevideu.
Pudor
Quando fores sentindo que o fulgor
Do teu Ser se corrompe e a adolescência
Do teu gênio desmaia e perde a cor,
Entre penumbras e deliquescência,
Faze a tua sagrada penitência,
Fecha-te num silêncio superior,
Mas não mostres a tua decadência
Ao mundo que assistiu teu esplendor!
Foge de tudo para o teu nadir!
Poupa ao prazer dos homens o teu drama!
Que é mesmo triste para os olhos ver
A alegoria matinal subir
E a ronda dos crepúsculos descer...
Raul de Leoni
Começa a colaborar mais regularmente na imprensa carioca, inclusive como articulista e torna-se amigo de Ribeiro Couto (poeta, jornlaista, magistrado, diplomata, contista e romancista, membro da Academia Brasielira de Letras em 1934)
Crepuscular
Alongo sobre as árvores vazias,
Essas em cujo espírito infecundo
Soluçam silenciosas agonias.
Assim estéreis, mansas e sombrias,
Sugerem à emoção em que as circundo
Todas as dolorosas utopias
De todos os filósofos do mundo.
Sugerem... Seus destinos são vizinhos:
Ambas, não dando frutos, abrem ninhos
Ao viandante exânime que as olhe.
Ninhos, onde vencida de fadiga,
A alma ingênua dos pássaros se abriga
E a tristeza dos homens se recolhe...
Raul de Leoni
sexta-feira, 23 de outubro de 2009
Ironia
Minha consolação! Minha filosofia!
Imponderável máscara discreta
Dessa infinita dúvida secreta,
Que é a tragédia recôndita do ser!
Muita gente não te há de compreender
E dirá que és renúncia e covardia!
Ironia! Ironia!
És a minha atitude comovida:
O amor-próprio do Espírito, sorrindo!
O pudor da Razão diante da Vida!
Raul de Leoni
No dia 8 de setembro de 1920, Raul de Leoni fica noivo de Ruth Soares de Gouveia.
Dia 11 de fevereiro de 1921, exonera-se do Itamaraty e no dia 6 de abril , casa-se com D.Ruth indo morar na Rua das Paineiras - 19 - Botafogo - Rio de Janeiro
Em 29 de maio elege-se deputado estadual preenchendo uma única vaga na Assembléia Legislativa do Rio de janeiro, comparecendo apenas a 6 sessões
História antiga
Eu nunca soube por que foi... um dia,
Ela me olhou indiferentemente,
Perguntei-lhe por que era... Não sabia...
Desde então, transformou-se de repente
A nossa intimidade correntia
Em saudações de simples cortesia
E a vida foi andando para frente...
Nunca mais nos falamos... vai distante...
Mas, quando a vejo, há sempre um vago instante
Em que seu mudo olhar no meu repousa,
E eu sinto, sem no entanto compreendê-la,
Que ela tenta dizer-me qualquer cousa,
Mas que é tarde demais para dizê-la...
Raul de Leoni
Em março, Nilo Peçanha perde as eleições e Raul de Leoni se emprega como inspetor de seguros.
Em julho do mesmo ano, sob forte censura à imprensa, publica o livro "Luz Mediterrânea", saudado por Agrippino Grieco como "triunfante estréia".
Platônico
— Almas recônditas de sensitivas —
Cheias de intimidades fugitivas,
De crepúsculos, melindres e pudores.
Por onde andares e por onde fores,
Cuidado com essas flores pensativas,
Que tem pólen, perfumes, órgãos e cores
E sofrem mais que as outras cousas vivas.
Colhe-as na solidão... são obras-primas
Que vieram de outros tempos e outros climas
Para os jardins de tua alma que transponho,
Para com ela teceres, na subida,
A coroa votiva do teu Sonho
E a legenda imperial da tua Vida.
Raul de Leoni
Legenda dos dias
Para o acaso das cousas... e, à saída,
Leva uma crença vaga, indefinida,
De achar o Ideal nalguma encruzilhada...
As horas morrem sobre as horas... Nada!
E ao poente, o Homem, com a sombra recolhida
Volta, pensando: "Se o Ideal da Vida
Não vejo hoje, virá na outra jornada...
Ontem, hoje, amanhã, depois, e, assim,
Mais ele avança, mais distante é o fim,
Mais se afasta o horizonte pela esfera;
E a Vida passa... efêmera e vazia:
Um adiantamento eterno que se espera,
Numa eterna esperança que se adia...
Raul de Leoni
O Filho
quarta-feira, 21 de outubro de 2009
Diálogo Final
Que colorido humano! que profundo
Sentido e que harmonia generosa
Encerram, nos teus símbolos diversos!...
- Sim, mas para fazê-los fui ao fundo
Das cousas, nessa Vida Dolorosa
Do Pensamento, que no fim é sempre triste.
Sofri muito entre os seres infelizes...
Tu não sabes de nada...tu não viste...
- Não, nunca imaginei o que me dizes...
Mas teus versos me fazem tanto bem,
São tão belos, de formas tão luxuosas!...
- É isso mesmo!... É a beleza irônica que vem
Da amargura invisível das raízes,
Para dar a vaidade efêmera das rosas...
Raul de Leoni
A morte
No dia 21 de novembro de 1926, morre Raul de Leoni, aos 31 anos , em Vila Serena, Itaipava (RJ), sua residência, às 10 horas da manhã, segundo o atestado de óbito, vítima de tuberculose, mal este que embelezara algumas vidas de poetas do passado, mas que nada tinha a ver com o espírito cosmopolita e desportivo do seu tempo.
Foi sepultado em Petrópolis no dia seguinte.